quinta-feira, agosto 17, 2006


Restou uma idéia, e só.

O calor dos trópicos dava o ar da graça, e não tinha graça naquela situação.
Sequer uma idéia, por fim...
Um esboço de quase amor, num pacote suspeito de uma quase, quase ilusão... fazia algumas horas... poucas, mas bastante. Depois uma carreira imaculada e cheia de promessas, adornando a folha colorida de fichario... Depois a contemplação!! Suprema e bendita... tantos eram os deuses que a queriam... tantas eram as coisas que não via, sem precisar ver...

Mas sempre tem um depois depois do depois... sempre há renuncia, consequencoa, remorso...
Ela não era dos remossos...

Depois do depois vem o buraco no lugar onde havia algo bom.

Restam cheiros, digitais...

resta incerteza...

E ela, quase bonita de tão triste, não vai dormir nunca mais.

terça-feira, agosto 08, 2006

Era uma vez essa mulher...







Faltavam-lhe as cores do mundo. Não era inteira, nem assim, vista de perto... não era nem meia, nem meio a meio, nem quase qualquer coisa que lhe valhesse qualquer coisa. Era só ela, e não era nada, além daquilo tudo de que carecia...
Um belo dia, que na verdade não era tão belo assim, resolveu cansar-se. Resuluta, enfim, ela tornara-se, já que de fato cansou-se. Trancou as matérias que fazia, trancou-se dentro de casa, e já resoluta, resolveu mudar. Mais tarde não soube bem certo se resolveu de fato ou se só fez porque precisava, e precisando é que os instintos funcionam... mas quando debruçou-se sobre tal dúvida concluiu de pronto que de pouco adiantava sacia-la... jazia seco o tempo das respostas...
Mas, enfim...
Primeiro aguardou a Natureza...
Não lhe vinham as cores, nem os seios, nem as asas...
Não lhe vinha nada.
Cansou-se também. Espontânea, sequer resolvera... apenas cansara-se.
Rodou mais uma vez as chaves, para trancar bem todas as portas que se abriam depois das da casa. Trancou também as janelas e fechou muito bem as cortinas, para que nem o sol e nem o vento lá de fora pudessem ver o que ela era, o que ela se tornaria, e nem o elo entre as duas coisas, que ela pretendia deixar como perdido. Também para que até o ar lá de dentro se transformar-se junto com ela, se modificasse, se encantasse pela nova que paria, e para sempre a acompanhasse, como um cheiro só dela, como umas asas só sentidas...

E assim se fez, pela primeira vez, a sua vontade.

Fez seu próprio casulo.

Teceu suas teias.


Enquanto sua cumpria a sina, amargou amores mortos e contemplou vislumbrada um futuro em que os andarilhos do seu coração, antes perversos e pouco solicitos, estariam todos bobos, ressucitando os duelos por seu amor...
A vaidade lhe subiu a cabeça... queria tanto aquela meia lua de ex-amados, ajoelhados e humilhados, implorando o seu perdão, que nunca estava bom. Sucumbiu à febre insana dos que se perdem no próprio umbigo, depois de amargar a solidão do claustro.

Trocou de pele tantas vezes e com muito júbilo viu os maços de cabelho gasto e opaco descendo pelo ralo, dando lugar ao bom, ao belo, ao novo. E o novo era o que ela agora tinha. Ensaiou tantos olhares, tantos andares, tantos sins e tantos nãos... Era outra, era a que sempre quis ser. E agora que era, pensava ser também o que sempre quis ter... E não queria ninguém mais que ela mesmo, assim, imaculada e reluzente... parecia uma santa, parecia uma puta, uma gueixa, uma cigana... parecia a melhor de todas as coisas.

Satisfez-se muito tempo ali... na mesma casa trancada e já sem luz, com as beberagens e banquetes que inventara... sem sol, sem amor, sem necessidade.

Um belo dia (realmente nada belo), cansou-se. Era enfim o tempo de mostrar-se ao mundo. Tão culta, tão linda, tão fresca... e isso no tempo em que as contemporaneas já deviam afundar sob o tempo.

Pos qualquer trapo, era linda e completa, era tudo o que todos precisavam.

Então saiu.

O mundo estava morto.

Não havia homens, nem mulheres, nem amantes. Nem amores, nem rivais. Não havia nada, além dela.

Antes de derramar a primeira lágrima de desconsolo, sentiu um peso singelo nas costas... Adornava asas que lhe rasgavam as roupas.
Asas de borboleta...
Um resquício de sol lhe alcançou o rosto e ela se deu por satisfeita... esse era o beijo do amante maior!
E as asas voaram por ela, que parecia ter desde sempre voado. E ela ria um riso grande, largo, claro... Ela ria alto... Ela riu até perder o ar, fechar os olhos e não ver mais nada.

Ela voou pra sempre...

Ela não voltou nunca mais...


Houve um tempo em que ela descansava a cabeça sobre o braço no parapeito da jenela de madeira, e pensava. Era o tempo das linhas bem trançadas, rendinhas de babado e mosqueteiros de tule onde borboletas se perdiam para ficarem vivas para sempre...
Houve um tempo em que ela descansava a cabeça sobre o braço na tampa de um vaso qualquer, de um banheiro qualquer, invariavelmente sujo, e vomitava. Era o tempo das unhas cerradas e coloridas, das calças gastas, dos pés suspensos, das asas quebradas e cabelos emaranhados onde dúvidas se prendiam para estarem latentes para sempre...
Houve um tempo em que ela descansava a cabeça sobre outro braço qualquer, e chorava. Era o tempo em que os amores nasciam onde ela pousava o olhar e morriam quando já não havia o que olhar, e haviam restos do amor onde ilusões se quebravam para as lembranças serem tristes para sempre...
Houve um tempo em que todo o descanço era fadiga, e não fazia nada...
Calçada com meias coloridas e trajada dos trapos de rendinhas de babados, com os olhos vazios, coloridos ao redor, deixava o corpo abraçado aos vasos sujos e voava, de asas capengas, até ir povoar constelações...